A Caverna

 

 

Morava em uma caverna que beirava ao mar, um ermitão cujo nome era desconhecido. E por ele ser um velho recluso, com ninguém falava, porque não havia com quem conversar. Logo, por conta disso, sendo o ermitão mudo, ele não podia com os homens comunicar-se com a voz, pois ninguém poderia ouvi-lo dizer o que só se pode escutar e compreender com o coração.

Contudo, repentinamente, enquanto o ermitão estava a cochilar deitado numa velha cama de paus amarrados com um colchão de palha rasgado, veio até ele um anjo (que o acordando devido ao forte clarão), lhe falou:

— Tu tens a língua presa! — disse-lhe o anjo apontando-lhe o dedo. — Porquanto, desse modo, estando ela presa, eu sei que tu não podes falar. Porém, digo-te que em primeiro lugar a ti serás dado à comunicação (não com os homens que são profanos), mas, por outro lado, com os anjos — que são divinos!

Não podendo ao anjo responder, o ermitão olhou-o, e com a ca­beça assentiu de maneira favorável:

— Sim!

E, da mesma forma que o anjo apareceu (como a um forte clarão) ele se foi.

Todavia, decorrido algum tempo depois, enquanto o eremita es­tava varrendo o chão da sua caverna com uma vassoura feita de arbustos secos, repentinamente, novamente, retornou o mesmo anjo que com ele antes tinha se comunicado, dessa vez aparecendo-lhe no fundo da caverna escura para lhe dizer, que o mesmo deveria apren­der algo que o tornaria capaz de ensinar aos homens o que eles não poderiam compreender sem antes estudarem, porque, é dessa forma que aprendendo o que lhes seria revelado, eles poderiam escrever, assim como o eremita haveria de ensiná-los antes a ler e a escrever.

Mas, o ermitão da caverna não sabia nem ler muito menos escre­ver. Logo, diante disso, o anjo tocando-lhe a testa, dotou-lhe de co­nhecimento para que ele pudesse com os homens comunicar-se através de sinais, pois como já sabido, os homens não poderiam ouvi-lo falando. E assim foi feito, e o ermitão aprendeu a linguagem alfabética dos sinais fonéticos e em sequência, a conversar com os homens através deste instrumento divino que o anjo ensinou-lhe a usar.

Destarte, abençoou o anjo ao ermitão que morava na caverna, e ele aprendeu a ler e a escrever de modo que, alfabetizado, ele estava apto a transmitir aos homens profanos, aquilo que os anjos foram ao longo do tempo a ele instruindo em espírito e verdade conhecer.

Dessa forma, passado mais algum tempo depois, estava o ermitão pescando perto de um lago que havia próximo a sua caverna, quando foi por um andarilho visitado. E este andarilho para ele per­guntou, se havia por perto algum local onde ele pudesse repousar, visto que, por muitos dias ele estava caminhando, e não encontrando abrigo, dormia ao relento pelo acostamento da estrada:

— A graça de Deus o abençoe meu senhor! — saudou-lhe o via­jante. — Onde posso encontrar um local aqui por perto, para que eu possa me instalar? — perguntou-lhe. — De tal modo que, estou a dias caminhando, sem encontrar um local para que eu possa pernoi­tar, tendo que dormir muitas noites ao longo da minha jornada de­baixo de sereno.

Contudo, o ermitão da caverna não falava, e começou com o an­darilho a conversar por meio de sinais, expressando-se através de mímica que ele poderia em sua caverna estagiar. E indicando ao an­darilho onde ele morava, persuadiu-o de ir até a sua caverna visitá-la:

— Venha! Venha! — gesticulava o velho com os braços convi­dando o andarilho a conhecer a sua caverna.

Seguidamente, persuadido, chegando à caverna do ermitão, o an­darilho encontrou nas paredes um punhado de escritos e desenhos. Surpreso por todas aquelas anotações, ao ermitão que morava na caverna, o andarilho perguntou-lhe o que significava todas aquelas figuras e caracteres. Mas, já sabendo o ermitão ser mudo, fez por gestos, o que ele queria expressar e saber através das palavras:

— O que significa todos esses desenhos e caracteres que o se­nhor pinta e escreve aqui nas paredes da caverna?

Com efeito, compreendendo com um pouco de dificuldades a dúvida do hóspede, o ermitão foi para o andarilho mostrando-lhe todas as suas anotações, explicando-lhe por gesticulações, sobre todas aquelas coisas as quais ele via e os anjos a ele lecionara:

— Esses desenhos místicos que o senhor está vendo, são revela­ções espirituais as quais eu venho tendo através do contato que faço com os anjos que descem do céu.

Por causa disso, surpreso pelo o que o ermitão lhe expressava através de gestos, o andarilho ficou fascinado com todos aqueles escritos e desenhos místicos que o ermitão havia pintado e escrito no interior da caverna, e com todas aquelas anotações — que ele fazia nas pedras e tábuas de argila que ele possuía empilhadas dentro da sua morada.

E, admirado com o que via, o andarilho perguntou-lhe nova­mente:

— Inspirado em que o senhor tirou todas essas ideias, para dese­nhar a estes pictogramas? Vejo ser o senhor um solitário! — obser­vou. — E vivendo nesta caverna úmida e escura, o senhor só têm a solidão por tua companheira. E sendo ela quem te faz companhia, como o senhor consegue a estas coisas fazê-las, sem ter com quem conversar?

Ainda que, tendo o ermitão dificuldades em responder o que o andarilho lhe perguntara e observava — mas entendendo tudo o que foi falado — através de gestos, mostrou-lhe, mais uma vez, (apon­tando para o alto, no céu), que eram as estrelas que vinham visitá-lo. Sendo elas, pois, quem o acompanhava, e o ensinava sobre as coisas divinas, e sobre as coisas profanas cometidas pelos homens:

— São as estrelas que desceram do céu e vem-me ensinar. — se esforçava o eremita para poder responder ao andarilho gesticulando com os braços.

Entrementes, percebeu o andarilho naquele eremita, certo ar mís­tico e misterioso — por causa dele viver isolado naquela gruta escura em meio ao rochedo — sendo notório haver nele também uma sa­bedoria que provinha do espírito, dando a perceber, que aquela fi­gura de um ancião barbudo parecia ser a um santo, um monge ou talvez quem saiba algum mago misterioso, pois o mesmo vestia-se com uma longa túnica púrpura que o cobria da cabeça aos pés, e tinha um semblante que expressava uma fisionomia de um velho de muita erudição.

Por conseguinte, por mímica e falando, se expressou o andarilho ao ermitão da caverna perguntando-lhe de maneira retórica:

— Esses que o senhor se refere apontando para o céu, são mesmo anjos que vem visitá-lo?

Com um aceno positivo com a cabeça, o ermitão ao andarilho confirmou:

— Sim!

Perguntou-lhe o Andarilho:

— E como são esses anjos que te visitam aqui na solidão escura da caverna? O que eles falam para ti, que sendo mudo — como o percebo — a muito sabe e parece entender?

Dessa forma, mostrando-lhe uma das tábuas de argila que possuía em seu inventário, o ermitão apontou ao andarilho com a tocha acesa a um desenho, o qual demonstrava uma luz que reluzia a um anjo, e que o mesmo anjo a ele ensinava as coisas as quais ele escre­via e desenhava:

— Veja! Veja rapaz! — apontava o velho com o dedo indicador direito a figura. — É este espírito que vem até a mim aqui na ca­verna me ensinar.

Embora angustiado pela mudez do eremita (pois via o esforço que o ancião fazia para com ele se comunicar), o andarilho gesticu­lando e falando, interpelou-o:

— Por que esses que do céu descem para visitá-lo e ensiná-lo, a ti não lhe dão voz para falares? Qual a razão deles não te soltarem a língua, para que possas aos homens ser compreendido pela sua dic­ção?

Por isso, apontando-lhe um desenho na parede da caverna com a tocha acesa, o ermitão explicou-lhe o significado do que estava ali representado. Desse modo, percebeu o andarilho que o ermitão era pelos anjos entendido, e que os anjos por ensiná-lo, não lhe deram a voz para falar, por que, devia ele aos homens comunicar o que aprendera com os anjos, pelos grifos e caracteres que eram os seus escritos e desenhos ilustrados nas paredes da caverna, e nas tabuletas de argila e pedras planas que ele possuía guardado no interior da sua moradia:

— Os desenhos mostram — disse-lhe o velho — que só posso me comunicar com os homens, através da linguagem escrita que os anjos me ensinaram a usá-la, para poder transmitir aos homens, o que eles querem que eu ensine a vós.

Por sinal, curioso com a figura daquele velho que possuía uma inteligência sem igual, o andarilho ao ermitão retornou a perguntar, vendo a forma peculiar de vida que o mesmo tinha:

— E como o senhor vive aqui? Eles, a ti, alimentam o corpo? — indagou-lhe. — Por seres só, vejo que se alimentas dos frutos que o senhor colhe fora da caverna! E também vejo que pescas e caça. — constatou. — Mas por que esses que do céu vem visitá-lo, não lhe dão pão para o senhor se alimentar? — objetou-lhe o andarilho.

Isto posto, indicando o ermitão a um desenho ao andarilho no teto da caverna escura com o seu archote aceso, percebeu o mesmo que, o alimento que os anjos lhe davam, era o alimento do espírito — o verbo que o nutria a alma! E que o ermitão da caverna dele comia e se alegrava com a abundância com a qual eles o alimentavam o seu espírito. E contente e satisfeito, vivia ele em harmonia com Deus, e com os seus mensageiros:

— Os anjos me nutrem com o conhecimento que eles me trans­mitem aqui dentro da caverna. — disse-lhe o ermitão apontando o dedo. — Com o alimento que eles me dão, vivo bem e satisfeito com a verdade que eles me revelam, das coisas que existem no céu e também do que acontece na Terra.

À vista disso, notando aquele solitário ter muito (e ao mesmo tempo tão pouco), o andarilho comentou:

— O senhor me parece ser um sábio! — disse o viandante olhando-o com um leve sorriso entre os lábios. — Porquanto, tendo o alimento que os anjos lhe dão, com ele se sacias na imersão que possuis aqui dentro desta caverna escura. E muito lhe vejo bem e satisfeito. Porém, por que o senhor não compartilha com os ho­mens, o que os anjos em espírito nutrem-lhe a alma e vivificam-lhe o corpo? — objetou-lhe o andarilho. — Pois, o senhor me parece ter muitos anos de vida e experiência.

Todavia, o ermitão expôs ao andarilho um desenho que ele tinha feito em um pedaço de pedra plana. E explicando-o pela mímica, que o que os anjos a ele ensinava — ensinavam-lhe por ele ser mudo —, pois, desse modo ele não poderia profanar aquilo que bebia em espírito, de tal forma que o que o homem pelo verbo fala este tam­bém mediante ao verbo corrompe, com as más intenções que lhe provém do coração:

— Olhe! Olhe rapaz! — gesticulava o velho apontando com o dedo indicador ao desenho. — É por este motivo que os anjos não me soltaram a língua.

Logo, indiretamente criticou-lhe o andarilho:

— Mas o senhor tem que de alguma maneira, compartilhar do seu saber com os homens! Já que, sendo o senhor pelos anjos prote­gido, eles o instruem em sabedoria e verdade. E o senhor às tendo por companheiras, deve aos homens apresentá-las, pois, é assim que poderás livrá-los das trevas da ignorância em que eles vivem neste mundo, sufocados pelo medo e pela culpa que os aprisionam a mente, o corpo e o coração.

No entanto, o ermitão apresentou ao andarilho, outra pedra de­senhada, onde ele conhecendo a um homem, com este homem ele compartilharia o entendimento que lhe foi passado pelos anjos. Sendo, desse modo, pois, que o desconhecido aos homens levaria esse entendimento para que eles fossem instruídos:

— Veja! Veja rapaz! — apontou-lhe o ancião à pedra plana. — És tu que vindo me encontrar, deverás aprender o que lhe ensinarei. Portanto, será desta forma que tu poderás compartilhar com os ho­mens, o que eles ainda não sabem, por viverem asfixiados pelo medo e a culpa que lhes foram incutidos na alma, através das mentiras que lhes foram contadas por aqueles que fazendo uso indevido do sabe­res espirituais, enganam as turbas fazendo-se passarem por santos, quando na verdade são todos pecadores, por negarem aos homens, a buscarem a sabedoria que tu procuraste, ao imergires dentro de ti mesmo, para poder ter a clareza da vinda do reino dos céus e do seu messias tão esperado.

Contudo, sem jeito, e de modo envergonhado, o andarilho retor­quiu-lhe de maneira retórica:

— Como eu posso levar aos homens a sabedoria, se dela não me alimento? Haja vista eu ser um simples viajante — que vivo no mundo a perambular e aos homens conhecê-los de longe? Logo, pois, de que forma me pode ser atribuída tamanha responsabilidade, se mal consigo fazer para a minha própria sobrevivência, tendo que depender muitas vezes da ajuda alheia dos que se compadecem da minha penúria, por eu ser um mero animador circense que vive de fazer palhaçadas para entreter o público que muitas vezes me des­preza?

Não obstante, o ermitão mostra-lhe um desenho na parede da ca­verna com o archote faiscando, em que o andarilho seria por um dos anjos instruído, a levar aos homens, aquilo que o ermitão com os anjos aprendeu. E que o andarilho haveria de compartilhar com eles aquilo tudo que lhe foi instruído, no decorrer da sua jornada iniciá­tica ao longo das suas aventuras rumo ao desconhecido no interior da caverna:

— Está vendo rapaz! — perguntou-lhe o ancião também de forma retórica. — Tu tens por missão a partir de agora, aprender comigo, tudo o que te ensinarei, para que possas levar aos homens, o conhecimento do qual eles carecem, e que os embrutecem, por des­conhecerem os mistérios de Deus.

Conquanto, observando a caverna e todos aqueles pictogramas, o andarilho demonstrava-se maravilhado com todas aquelas figuras, formas e desenhos variados que ilustravam diversas passagens das quais, o ermitão da caverna fazia, quando com os anjos aprendia.

E, dirigindo-se ao ermitão da caverna encantado, perguntou-lhe o andarilho sorrindo:

— Mas e com o senhor? O que haverá de ser? De sorte que, eu aos homens voltarei, e com eles compartilharei do que o senhor está me legando. — comentou. — Entretanto, e contigo? O que há de acontecer?

Por conseguinte, o ermitão revela-lhe um pequeno desenho em uma tabuleta de argila, onde este ascendendo em espírito deixará o corpo, de modo que voltando a luz, estarás salvo na plenitude do Todo:

— Aqui está rapaz! — disse o velho pegando uma pequena tabu­leta de argila, em que ele havia desenhado o que haveria de suceder com ele após legar ao estranho que ele encontrara os mistérios místi­cos pelos quais ele fora iniciado pelos anjos, que desciam do céu.

Em razão disso, pergunta-lhe o andarilho com o semblante en­tristecido, ao observar a tabuleta que o ancião lhe mostrou da ascen­são dele aos céus:

— O senhor haverá de morrer, após ter-me legado todo o conhe­cimento destas escrituras e figuras que desenhou?

Por consequência, mais uma vez o ermitão demonstra ao andari­lho, outro desenho que ele fez onde se observa que, o que morrerá é a carne, e que o espírito, este para sempre vive:

— Veja! Veja!  — disse o velho apontando com o dedo o dese­nho. — O espírito nunca morre! — afirmou. — Só o corpo que deixa de existir, quando consumido pela terra, volta a ser matéria-prima para as outras obras da Mãe Natureza. Contudo, o espírito, este para sempre vive, encarnando em diferentes corpos os quais serão feitos pelos homens, quando estes estiverem a absorver-se em suas paixões doentias com as fêmeas de sua espécie.

Logo, por sinal, o andarilho examinou com atenção todas aquelas anotações em pedras e tabuletas de argila, percorrendo com o olhar tudo o que ele poderia ver, dentro daquela caverna quase escura, mas que possui o brilho do archote do ermitão, que reluzia tão claro quanto o sol.

E, depois de averiguar todas aquelas informações, ele retrucou ao ermitão inconformado por não poder transportar tudo àquilo que via aos habitantes das cidades:

— Mas como eu posso levar todas estas pedras, e tabuletas de ar­gila para as cidades, onde os homens habitam? Não tem como eu compartilhar com eles, todo este conhecimento que o senhor escre­veu e desenhou aqui nesta caverna.

À vista disso, apontou o ermitão para o andarilho a um anjo, que por diante da porta da caverna apareceu reluzente. E o anjo sereno, ao viajante falou:

— Tu as cidades levarás, tudo o que o ermitão a ti mostrou-te! Porém, tu não conduzirás — o que vês por diante dos olhos — mas transportarás, o que a ti lhe revelarei em espírito.

Embora assustado com aquela experiência mística que estava pre­senciando, ainda sim, o andarilho ao anjo humildemente disse-lhe:

— O Senhor me tem por servo! — exprimiu-se abaixando a ca­beça. — Pois, a ti te servirei!

Respondeu-lhe o anjo:

— Não serás a mim que tu servirás! Mas Aquele que me enviou. De tal sorte que, Ele quer te enviar em uma missão, onde terás que aos homens instruí-los no conhecimento sobre os mistérios do céu.

Por sua vez, acuado, o andarilho expressou:

— Mas nem culto eu sou! Como eu posso a homens instruí-los, se a mim falta a instrução? — perguntou-lhe de modo retórico. — Como também, não sei ler o que este eremita escreveu! Uma vez que, sou analfabeto, e a estes caracteres não sei interpretá-los.

Por causa disso, aproxima-lhe o anjo, e toca-lhe a testa. E, por espanto, o andarilho compreende o que antes não compreendia; e sabia o que antes não percebia. E sendo, pois, agora culto, pôde aprender o que o ermitão da caverna escrevia e desenhava — dentro daquela gruta semi-escura em que ele habitava —, de tal modo que incutiu-lhe o anjo com autoridade:

— Agora tu estudes tudo o que o ermitão escreveu e desenhou! E aprendendo tudo o que tiveres por aprender, dirija-se a cidade e aos homens, e dedica-se a instruí-los na sabedoria divina do amor.

Doravante, como a um relâmpago o anjo desapareceu. E o anda­rilho começou por estudar, tudo o que o ermitão havia desenhado e escrito nas paredes da caverna, nas pedras planas e nas tabuletas de argila. E estagiando algum tempo com ele, veio o ermitão da caverna a ascender, depois de legá-lo tudo o que ele aprendeu com os anjos.

Donde, o andarilho o observou subir próximo da caverna ao céu, posto que, logo após a ascensão do seu mestre, o andarilho reuniu tudo o que ele havia anotado nas pedras planas, e nas tabuletas de argila, enterrou-as na caverna e partindo foi ao encontro da cidade mais próxima que havia daquela região — assim como o anjo que lhe aparecera o instruirá a fazer:

— Agora me dirigirei rumo à cidade! — disse o caminheiro con­sigo mesmo em pensamento. — Porque tenho muito com o que aos homens compartilhar.

Dessa forma partindo da caverna, percorreu o jornaleiro a uma estrada sinuosa, cheia de curvas que subia uma montanha em forma de espiral, aonde a estrada terminava no topo de uma grande planí­cie.  E, chegando a esta planície, teve o andarilho ainda que percor­rer uma longa jornada que o levaria até a cidade, em meio a matas e bosques tenebrosos, cheios de mistério e magia os quais já tendo o andarilho a iniciação mística com o ermitão da caverna, soube com esmero manipulá-la e tirar-lhe proveito no decorrer da sua peregri­nação.

Por conseguinte, percorrendo a todo este trajeto misterioso e as­sombrado por seres elementais e de diferentes espécies de animálias, como também de seres espirituais demoníacos, e mesmo salteadores atrozes, ele conseguiu a cidade mais próxima chegar. Porquanto, aproximando-se de um dos moradores da cidade, para ele pergun­tou:

— Bom dia senhor! — cumprimentou-o. — Onde eu posso en­contrar um local para que eu possa me instalar aqui nesta cidade?

O morador (um velho senhor com um chapéu estranho pare­cendo um capus que se encontrava sentado no banco da praça), apontando com a sua bengala para uma estalagem próxima, respon­deu-lhe:

— Tu podes na estalagem que fica aqui próximo, se acomodar! Pois, esta está vazia há muito tempo. E estando ela vazia, tenho certeza que serás bem recebido! De tal sorte que, o dono dela, por muito tempo espera por um hospedeiro.

Dessa maneira, dirigindo-se até a estalagem — a qual o morador havia lhe mostrado — o andarilho chegando a ela, ao atendente per­guntou:

— Quanto que me custa para aqui eu me hospedar?

Respondeu-lhe o atendente:

— Custa-lhe, aquilo que estás disposto aqui a trabalhar!

Não se apercebendo que o atendente na verdade era um anjo, o andarilho retrucou:

— E o que devo fazer aqui, para que eu possa pagar pela minha hospedagem?

Falou o atendente ao andarilho:

— Tu deves aos homens lecionar! Visto que, estando esta cidade (sem ter professor para os homens ensiná-los), tu poderás instruí-los. E educando-os, pagarás por hospedares aqui nesta estalagem.

Por sua vez, reparou o andarilho ser aquele quem o atendia um anjo, pelo modo que ele lhe respondeu e por já ter sido iniciado nos mistérios.

Logo, disse o viajante contente:

— Pois agora sei quem me falas! — concluiu sorrindo. — Como eu posso aos homens começar a ensiná-los, o que com o ermitão da caverna aprendi?

Respondeu-lhe o anjo:

— Tu começarás por ensiná-los, o poder do silêncio! Razão pela qual isto é a chave para eles entenderem o que ao ermitão da caverna foi ensinado, e por tu legado dele.

Ademais, depois de ter respondido ao andarilho, o anjo desapare­ceu — como que em um piscar de olhos. Dessa forma, pronto e disposto a obrar aquilo que lhe foi destinado a fazer, começou o viajante por reunir na frente da estalagem, a muitos homens, mulhe­res e crianças, despertando neles a atenção pelas palhaçadas e tru­ques que ele fazia em meio à praça. E agindo dessa maneira, fazendo pequenas travessuras circenses, o viajante conseguiu fazer com que os habitantes locais se maravilhassem com a sua sabedoria, que pro­vinha do Divino Espírito Santo (pois aprenderam sobre os mistérios da alma humana através das brincadeiras que o bufão criava), e tor­naram-se sabedores de quem eles eram pelas histórias que o malaba­rista lhes contava e pelos truques que ele lhes ensinava. E conhe­cendo a si próprios, puderam entender, cada um a sua maneira, o propósito da sua existência na Terra, como também, donde eles vieram e para onde eles haveriam de um dia voltarem:

— Olha! Olha! — dizia as crianças observando os truques que o bufão se esforçava para criar com argolas, e alguns pedaços de panos e tubos… — Esse homem parece ser um mágico! — diziam elas radiantes pela alegria com a qual todos lhe observavam.

Destarte, aconteceu que um destes a quem o andarilho estava a ensinar através dos seus truques, perguntou-lhe:

— Mas sendo o senhor, sabedor dos mistérios do espírito, por que a nós está a compartilhar, o que não podemos por nós mesmo aprender?

Perante o exposto, o andarilho (que agora já não mais era um vi­ajante, mas um homem dotado de sabedoria por ter sido iniciado nos mistérios sagrados), ao que lhe perguntou respondeu-o:

— Tu só poderás aprender sobre os mistérios do espírito, aquilo que lhe for ensinado por alguém que, aprendendo com quem lhe foi superior, a vós podeis dedicar-lhes a ensiná-los.

Retrucou o rapaz:

— Mas quem ao senhor foi por superior, que em todos estes mistérios iniciou-te?

Respondeu-lhe o estrangeiro:

— Quem me educou a conhecer todos estes mistérios, era mudo! E sendo mudo, a muitos podia ouvir-lhes. E ouvindo-os, com todos aprendeu. E aprendendo com eles, ensinou-me estes segredos. E eu que tenho voz para falar, a vós estou a instruí-los!

Entretanto, o rapaz e os demais dele rirão. E um dos presentes, com ar de deboche e sorrindo, perguntou-lhe:

— Como o senhor pôde ter sido instruído (em todos estes misté­rios que nos ensina), com um mudo? É impossível um mudo ter falado, o que o senhor não podia dele escutar, já que, ele não tinha voz para se comunicar.

Retorquiu o malabarista dizendo-lhe:

— O meu professor que era mudo, muito instruiu-me! Uma vez que, o que ele aprendeu — ele não aprendeu com os homens. Mas, ele aprendeu com aqueles que no céu habitam! E tendo os que no céu habitam a sabedoria a qual Deus constituiu-lhes cada um — segundo o seu entendimento —, o meu mestre que aprendeu com eles, me educou nos mistérios os quais ele fora iniciado.

Posto que, outro dos presentes se levantando do chão onde es­tava sentado assistindo a apresentação, corroborando, mas sorrindo com desdém, interrogou-lhe:

— Sim! Mas como pode o mudo com eles ter aprendido, se mudo não fala? E como o senhor pôde ter assimilado dele a instru­ção, “se o seu mestre” ao senhor não podia dizer-lhe nada?

Por sua vez, confiante, o bufão respondeu-lhe:

— Aprendi com o meu professor, o que me foi orientado a com­preender em espírito! Dado que, um anjo ao me tocar na testa, ele me fez sabedor das divinas iniciações! E eu adestrando-me com o ermitão nos mistérios que os anjos ensinaram-no, aos homens estou hoje a instruí-los no que vós ainda não compreendeis em verdade, por desconhecerem o caminho que trilhei até encontrar ao ermitão que me foi por mestre e educador.

Contudo, veio ao bufão, outro dos presentes. E este para ele per­guntou:

— Se o senhor com os anjos aprendeu sobre as confidências do Divino Espírito Santo, então, por que ele também não vem nos ensinar? Afinal, sendo o senhor sábio, e sendo o senhor instruído por seres divinos, pode o senhor evocá-los! Para que eles nos edu­quem, na sagrada ciência de Deus. — sugeriu-lhe.

Ao contrário, respondeu-lhe o malabarista:

— Com a mudez do ermitão, percebi o valor do silêncio, que me foi amestrado primeiro, para entender a sacra linguagem de Deus! De tal maneira que, eu não sendo instruído no enigma dos picto­gramas e caracteres que continham a sabedoria do Eterno — e nem o ermitão na pronúncia das palavras —, aprendemos a nos comuni­carmos pelas letras e desenhos que os anjos nos ensinaram a lê-los. Porque, é através da arte e dos sinais, a melhor forma que se pode comunicar aos homens, os mistérios que existem no céu, por esta­rem todos contidos na árvore da vida.

Perguntou-lhe outro dos presentes:

— Mas por que os anjos que a vós ensinais, não vem até nós? É o senhor e o ermitão da caverna, melhor do que nós?

Conseguintemente, pacientemente respondeu-lhe o bufão:

— Não sou melhor que vós! E o ermitão da caverna, não tinha o porquê querer ser melhor que vós! Tanto que, sendo ele mudo já lhe faltava à voz. E faltando-lhe a voz, o que podia ele aprender, era o que em espírito lhe foi instruído a saber pelos anjos.

Sobremodo exaltado e indignado, outro dos presentes falou em meio à multidão que se formava em torno do malabarista na praça. E os demais com ele concordaram:

— Que sejas! Queremos que os anjos que vos ensinaram, a nós também venham ensinar! Dado que, se o senhor — e o ermitão da caverna com eles aprenderam —, nós também podemos aprender.

 Em sequência, com uma serenidade sem igual, respondeu-lhe o estrangeiro que possuía o domínio da alquimia, com a firmeza que só aqueles que por muitos caminhos já andaram, tem autoridade e experiência para falar:

— Vós sois homens, profanos! De tal maneira que, vós não po­deis ouvir-lhes. Já que, vós viveis em um mundo, onde o que lhes satisfazem — não é o alimento do espírito do qual me alimentei. O alimento que vos satisfazem — é o da carne que vós tanto recorreis. Vós só quereis do mundo, as coisas do mundo! Mas, a sabedoria do Espírito Santo, vós não a buscais! Haja vista vós só podeis encontrá-la, quando para dentro de si voltarem-se, e escutarem, aquele que eu escutei por tanto tempo meditando e estudando em silêncio e casti­dade. Os que vieram me visitar, pois, vieram por intermédio (não do homem ou das suas iniciações); mas de igual modo, por eu ter sido digno de por eles ser visitado. Portanto, vós deveis que primeiro aprender a ouvirem a luz Crística que me ensinou! Assim, vós pode­reis como eu, com ela instruírem-se em saber, os sacros mistérios do Creador.

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Sinopse

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