Os Filhotes

 

 

Passava das 17h:00 quando, durante um final de tarde, após tomar um gole de café, um fazendeiro dirigiu-se até o curral onde ele possuía um rebanho de animais, que era usado para o tra­balho na fazenda. Conquanto, chegando próximo a um dos encarre­gados da quinta, perguntou o patrão ao administrador da proprie­dade, sobre a maneira estranha que os funcionários tratavam aos filhotes dos animais, que ele possuía em suas terras, por os verem separar-lhes de suas mães:

— Por que vós confinais os filhotes dos animais — que vos res­peitam — separando-os de suas mães?

— Os filhotes são separados de suas mães — explicou-lhe o ad­ministrador —, para que desde muito cedo eles aprendam a não dar importância às lições de vida que a suas mães lhos ensinam, pelos cuidados que elas atribuem-lhes de educá-los.

— Mas isso que vós fazeis não é algo mal? — questionou-lhe o patrão. — Pois, sendo os filhotes necessitados dos cuidados de suas mães, então por que vós não os deixais ficar com elas, até que elas os ponham a se virarem sozinho?

— Fazemos isso — respondeu-lhe o administrador — pois assim ficam os filhotes já desde tenra idade, submissos a nós.

Em razão disso, o patrão ficou pensativo sobre o que o adminis­trador da fazenda lhe dissera, e começou a ver naquilo que estava acontecendo, algo de semelhante ao que no mundo ocorria com os homens, pois, sendo o “administrador” os governantes e sendo os “filhotes” — o povo que de suas origens eram afastados —, o pa­trão consigo matutou:

— Veja só! — exclamou. — Parece-me ser o que aqui ocorre, algo semelhante ao que aos homens acontecem! Visto que, privados os homens de se manterem fieis a suas origens e as suas culturas, eles, por conseguinte, são pelos governos e instituições religiosas doutrinados a servir-lhes da melhor maneira possível, com o esforço e o suor dos seus trabalhos. E, estando os povos a fazerem o que aprazem aos governos e as instituições religiosas, ficam todos a eles submissos. Ou seja, eles não conseguem a si mesmos encontrarem-se individualmente! Porque, não sabendo a maioria dos homens quem lhes é por mãe — a sabedoria —, atribuem aos seus opresso­res à subserviência que os dominadores a eles impõem pela força e pelo medo, assim como o encarregado da fazenda instrui os funcio­nários a tratar os animais.

Isto posto, passado um período de tempo, este mesmo patrão voltando a ter com os seus criados, novamente, para o administrador da fazenda perguntou-lhe:

— E os filhotes? Como estão hoje?

— Os filhotes hoje nos têm por padrasto! — respondeu-lhe o administrador. — E, as suas mães já não mais as procuram. Pois, eles já as consideram como “criaturas” diferentes de si, por doutri­narmos eles a nos obedecerem, de modo que agora eles nos adota­ram como seus padrastos.

— Mas como assim: “os filhotes hoje vos tem por padrasto”? — perguntou-lhe o patrão surpreso. — E como a suas mães: “eles as consideram como criaturas diferentes de si”?

— Oras patrão! — disse o administrador com um leve sorriso nos lábios. — Os filhotes são hoje aos seus senhores submissos! Pois, nós ensinamo-los a se comportarem, e a nos obedecerem, sem que a nós eles questionem ou se revoltem.

Por causa disso, então, o patrão pensou sobre a similaridade entre os filhotes e os homens, e disse consigo em pensamento:

— Tá aí! — exclamou. — Olha só como os filhotes aos criados se comportam como os homens aos seus governos e instituições religiosas se submetem. Eles não mais reconhecem “os seus” como semelhantes! E expurgam os mesmo como se a si fossem estranhos. Contudo, aos seus senhores, servem-lhes com temor e obediência! Pois, eles os veem como a uma figura paterna, e não atribuem aos seus governantes terem-nos tirados de suas mães — a cultura — que poderia os libertar de serem cativos, haja vista terem sido doutrina­dos a dela se afastarem. E sem a instrução que ela poderia legar-lhes através do conhecimento, eles deixaram de aprender a como se pro­tegerem e aos seus semelhantes cuidarem, com zelo e honra.

Em vista disso, decorrido mais um tempo, veio o patrão a ter com os seus criados, e a um deles perguntou:

— E agora? Como estão os filhotes?

— Oras patrão! Eles continuam a crescerem! — respondeu-lhe o criado em tom de sarcasmo. — Afinal, os mesmos deixaram de serem filhotes, para tornarem-se adultos. E agora adultos eles nos servem como nós ensinamo-los a nos servirem.

— Pois é! — disse consigo em pensamento o patrão com a mão direita coçando o queixo observando os animais comportados no curral. — Agora os filhotes não mais o são. — sorriu sinicamente de maneira sutil. — São adultos! — afirmou com as mãos sobre a cin­tura. — E sendo adultos, submetem-se aos criados a fazerem o que eles ensinaram-nos a fazerem, assim como os homens aos governos e instituições religiosas fazem aquilo que os mesmos a eles doutrina­ram-nos a fazerem. A tal ponto de, estando agora crescidos, os ho­mens trabalharão para os governos e sacerdotes como servos, e não os contestarão, porque foi-lhes tirado desde a tenra infância de suas mães, e doutrinados ao seu padrasto obedecerem, dado que, se esti­vessem na infância sobre os cuidados da sabedoria, os homens hoje adultos não se submeteriam aos caprichos de seus carrascos. Porém, como não puderam aprender com ela a se defenderem e a cuidarem de si próprios, hoje eles vivem subservientes aos seus tiranos.

Por esse motivo, satisfeito, depois de passar uma temporada sem visitar a sua fazenda, voltou o patrão depois de um longo tempo a ter com os seus criados. E indo de encontro ao administrador da fazenda, perguntou-lhe:

— E então? Como vão aqueles que vós tínheis por filhotes, e que da última vez eu os vi adultos, e que hoje já creio estarem velhos?

— Senhor! — exclamou o gestor da propriedade em um tom de susto. — Eles não mais o servem! — respondeu o administrador em sequência ao patrão de maneira debochada. — Pois, ficaram velhos e ao senhor estavam causando muitos gastos, portanto, decidimos por matá-los, para cortar as despesas desnecessárias da fazenda. Mas não se preocupe! — parafraseou. — Porque nós temos novos filhotes que já estão a crescerem e a nos obedecerem — assim como os seus pais fizeram conosco no passado. Uma vez que, nós já os tolhemos de suas mães (que eles já não mais as conhecem), ficando a nós submissos e servis até que não nos sejam mais úteis.

— Pois é! — murmurou o patrão esfregando uma mão na outra observando os filhotes no curral. — Aos velhos que não mais nos servem, deixamos estes morrerem. Pois, sendo inválidos para a nossa subserviência, só nos resta usar de seus filhos — da mesma forma que nós os usamos quando separamo-los de suas mães para doutriná-los quando eram jovens. Porém, há que sempre termos cuidado! — disse sadicamente o patrão para o criado com um olhar penetrante que parecia levá-lo ao abismo. — Porque a dentre os homens os que podem se rebelar. Ou seja, entre eles aos que bus­cando dentro de si se autoconhecerem, podem aos outros ensinarem a também se autoconhecerem. E fazendo isso, a nós não mais se submeterão, e se revoltarão, e nos perseguirão, e talvez, por que não, nos matarão, deixando de nos alimentar satisfazendo aos nossos caprichos e os nossos desejos infames.

Assim é o mundo dos homens. Há que se ter sempre o cuidado para não se perder das suas raízes, e deixar-se dominar por pensa­mentos, doutrinas e ideologias que pervertem o espírito, e corrom­pem a alma. O homem que procura buscar dentro de si a sua Luz Interior, este encontrará ao maior tesouro que pode vir a tê-lo ao longo da sua vida, que é a sabedoria! Pois Ela o acolhe e o protege como mãe.

Por fim, proferiu um dos criados ao patrão:

— Com certeza senhor! Esses que se rebelarem, devemos afastar-lhes do rebanho, para que com sua luz, eles não “contaminem” aos outros e nos afaste de perto deles. Haja vista precisarmos do reba­nho para servir aos nossos caprichos e propósitos escusos, de ma­neira a mantermo-nos sempre no poder, e termos sobre eles a nossa vontade de conduzi-los ao nosso bel prazer, aonde quer que queira­mos ir ou com eles desejarmos fazer. — finalizou sorrindo sadica­mente em sinal de menosprezo aos filhotes, o criado ao seu patrão.

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