A Punição

 
 
 
 
A luz é a essência de tudo o que há, haja vista ela ser a própria onisciência de Deus. Por tal razão, houve uma época em que sendo o homem obediente aos preceitos divinos, ele tinha a virtude e a beleza da graça da deidade refletida em sua aura, pois era o ho­mem feito à imagem e semelhança do Eterno, de tal sorte que ele residia junto ao seu Creador e benfeitor no céu.

Em razão disso, havia um ancião que vivia uma vida asceta, e que era obediente à vontade do Altíssimo, a tal ponto dele viver solitário em uma choupana em meio a um charco, que era cercado por uma floresta escura e espessa, com árvores retorcidas e cheias de musgos. De fato, era neste ambiente hostil e quase inóspito, o local onde ele encontrava um pouco de paz interior, tanto quanto, também, da civilização dos homens e de suas contradições.

Por conseguinte, adveio desse anacoreta sair do seu casebre, e ir em direção a um lago que ficava a frente da sua casa, de forma que chegando a suas margens, sentou-se em uma pedra que se encon­trava a borda do espelho d´água e começou a meditar. Com efeito, o velho adentrou em seu íntimo em profundo estado meditativo, de tal maneira que mergulhado no abismo insondável da sua alma, em contemplação, a Deus perguntou:

— Senhor! Por que não encontra mais os homens, auxílio na tua infinita sabedoria? O que os torna, por assim dizer, tão desobedien­tes a Vossa Santidade? Haja vista, boa parte deles, só buscarem satis­fazer as suas paixões, deixando de lado à piedade — e muitas vezes a própria sorte —, até mesmo a boa conduta das suas almas?

Por consequência, ouvindo-o no seu interior, o Creador atendeu a suas preces, e respondeu-lhe:

— O homem se tornou demasiado profano! Porquanto, bus­cando em vãs filosofias as respostas para os mistérios sagrados, a sua vaidade o corrompeu, por reduzir a meras especulações intelectuais, a natureza espiritual da minha obra. Dessa forma, ao ter os seus sen­tidos pervertidos (por serem influenciados pela dúvida que o mal semeou em sua alma, quando este experimentou do fruto do conhe­cimento do bem e do mal), perdeu muitos dos homens a sua graça junto a Mim — seu Creador — e desde então, continua eles em in­sensatez e vergonha, tentando explicar por meio de hipóteses, o que só pode ser compreendido através da sua ascensão espiritual, ou seja, a sua elevação ao reino dos céus.

Destarte, o velho que tinha ao Creador como seu amigo e confes­sor íntimo, continuou a indagá-lo:

— Mas Senhor! Sendo Vossa Mercê o sabedor de todos os misté­rios, e o Creador de tudo o que existe, por que, então, tu permites ao homem agir assim como ele se comporta — com impertinência e falta de decoro diante da sua Santidade? E a fazer as coisas odiosas que ele vem cometendo no mundo, desde a sua queda, tentando justificar o bem, através do mal, pela violência, mentiras e guerras? Não devia, pois, Vossa Magnificência castigá-lo, punindo-os com o seu rigor a malícias de suas más obras?

— Ó ermitão! — respondeu-lhe o Creador. — Eu Sou o sabedor de todos os mistérios, e conhecedor do coração de quaisquer que sejam os homens. Porém, permito que eles assim ajam, para que eles possam reconhecer que não há nada de bom em suas más ações e escolhas, a não ser, por outro lado, se firmar na bem-aventurança do seu Creador, ou seja, agir com justiça e andar com retidão! Portanto, dito de outro modo, tudo o que eles buscarem de benefícios nas artes trevosas das suas más obras, fazendo pactos com seres malig­nos, não poderão as verdadeiras respostas encontrá-las, muito me­nos a paz, senão, no Deus Altíssimo, que é a Luz. Sobretudo, por­que, tudo aquilo de mal que o homem semear, ele haverá de um dia vir a colher, de maneira que nada que esteja oculto, não há de vir a ser revelado; e nada do que esteja encoberto, não haverá de um dia vir a ser descoberto.

Todavia, o velho asceta ainda continuava inconformado com o comportamento dos homens, de maneira que continuou ao Onipo­tente interrogá-Lo, por achar injusto o Misericordioso não castigá-los:

— Mas Senhor! — disse novamente. — O homem não aprende. — insinuou o velho imergido na turbulência negativa de suas emo­ções. — Ele continua a agir com insensatez, e não procuram a ver­dade na onisciência da vossa sabedoria, que é a benfeitora de todas as almas. Certamente, muitos deles não creem na tua existência! — disse com pesar no coração. — Pois, acreditam ser tudo o que existe, fruto do acaso! Inclusive a si mesmos, ao se julgarem, em seus devaneios, descendentes até mesmo dos macacos. Porventura, há ainda os que se acham ser um emaranhado de células, moléculas e átomos, que se aglutinaram eventualmente, sem propósito algum. Por causa disso, me sinto amargurado, por estar isolado neste case­bre, em meio a este charco, pois, evito de todas as formas o convívio com os homens. Ademais, sei que a eles falta a razão, por acharem possuí-la, quando, na verdade, o que eles têm são fantasias ordinárias as quais usam para justificar a si mesmo, principalmente quando duvidam da sua existência.

— Não pode o homem ignorar ao seu Creador! — respondeu-lhe Deus pacientemente. — Ainda que eles finjam em não acreditar em minha existência, a Mim procuram conhecer tentando desvendar a tudo o que Eu criei. Portanto, não pode o homem ser isento de culpa, por não Me buscar em verdade e em espírito dentro de si! Mas, por sua parte, sendo o homem de coração duro (por acharem aos mistérios das sombras mais prazerosos do que em ouvirem as instruções que Eu tenho a lhes dar), deixo-os assim agirem! Até que chegue o dia em que, fadados de procurarem onde não há o que achar, e de buscarem o que só poderão encontrar — a não ser ou­vindo os seus corações —, virão essas pessoas diante de Mim, e Eu a eles ministrarei a minha sabedoria, para que possa a humanidade beber da fonte do eterno e verdadeiro único Deus. Desse modo, a civilização redimida da sua vergonha, tornar-se-á detentora da minha sagrada orientação, de tal maneira que as pessoas agirão conforme a conduta que Eu lhes incutirei na alma, para que caminhem em ver­dade e justiça em direção de volta ao reino dos céus, ou seja, a ilumi­nação.

Seguido de um gesto positivo de menear a cabeça, o velho corro­borou com o que Deus respondeu-lhe. Não obstante, com pesar na alma, retrucou:

— Sim, Senhor! O homem ainda é muito ignorante em pensar poder ser maior do que Vossa Santidade. Não crendo muitos deles o Senhor existir, esses procuram na ciência do conhecimento do bem e do mal, as respostas para os mistérios divinos! De tal forma que se obscurece uma parte da humanidade na escuridão das suas más es­colhas! — insinuou com tristeza o ermitão. — Se bem que, muitos acabam enlouquecendo ao fazerem isso, por se compararem ao Cre­ador. Dessa forma, o único jeito de a humanidade se corrigir dos seus tropeços, é procurando as respostas para as suas mazelas não somente nas sagradas escrituras, que sobrevivem ao tempo e tribula­ções. Mas, por outro lado, também, meditando e ouvindo os seus corações. Pois, este é o modo mais eficaz de o homem se encher da Vossa Graça, ao mergulhar fundo em suas emoções.

À vista disso, Deus, ao velho respondeu-lhe sobre as insinuações feitas por ele de sua magnificência. Porém, advertiu ao asceta para que ele não absorvesse a maldade dos homens, muito menos se en­chesse de ira contra os mesmos, uma vez que, a atitude humana é um reflexo da ignorância pela a qual o homem busca justificar a si próprio e a Deus. Isto é, através das suas mentiras, e, consequente­mente, más escolhas, por ignorarem ao sagrado que há dentro deles:

— Não te atormentes com as insensatezes e tolices dos homens! — recomendou o Altíssimo. — Esses agem por pura ignorância, porque é a ela que eles recorrem, e não há Mim, que sou por exce­lência a sabedoria imortal de tudo o que há. Conquanto, se os ho­mens tivessem mais humildade em Me reconhecer em todas as mi­nhas obras, eles Me veriam em verdade e espírito nelas! Mas, ao contrário, o homem é ignorante de não Me ver em tudo o que existe, e pensa ser ele quem aos mistérios divinos pode atribuir significado, sem antes recorrerem a Mim, que os creei. Logo, por conta disso, a tolice dos homens é a causa da sua insensatez, de querer explicar o que só pode ser justificado por quem a tudo creou, e não por quem também foi creado, dentre todas as obras já feitas, anteriormente, pela minha onisciência.

Entretanto, o ancião não se conformava com o desrespeito das pessoas, e mediante a forma pela qual elas ignoravam ao Creador. Além disso, ele odiava a maneira delas primeiro buscarem satisfazer aos seus desejos e o gozo egoísta das suas almas, por meio somente dos prazeres carnais, ignorando, por outro lado, a comunhão com o sagrado mediante o silêncio e meditação. Dessa forma, por assim dizer, inconformado com o desrespeito da humanidade, o velho retorquiu ao Altíssimo dizendo-lhe:

— Senhor! Tenho muito me magoado pela forma que os meus semelhantes se desviaram da boa conduta. Vejo que eles não querem conhecer a verdade em sua essência divina — que é a luz eterna e imutável da onisciência de Deus! Entrementes, só desejam as coisas mundanas provarem e em prazeres se satisfazerem. Certamente, a atitude vergonhosa dos homens me incomoda, por eu não ser como a eles, pecadores. Por esse motivo, vivo isolado aqui neste charco, onde busco neste refúgio ao Senhor em verdade e vida, meditando e ouvindo o meu coração, enquanto que eles o afastam ao praticarem odiosos sacrilégios, profanando o vosso santo nome, ao dizerem-no também em vão. A rigor, por que o Senhor não lhes causa o mal, para que eles possam com a dor aprenderem ao Santo Espírito obe­decerem em verdade? Não seria esta a maneira mais prudente de puni-los, infligindo-lhes desgraças? Visto que, são eles, antes de tudo, impuros diante do vosso olho, razão pela qual, poderias o Se­nhor corrigi-los com a tua ira, ou seja, aplicando-lhes doses cada vez mais severas de disciplina através da força e do medo.

Por sua vez, respondeu-lhe o Misericordioso, assombrado pelo ódio nebuloso que pairava sobre a mente do ancião:

— Ó ermitão! — exclamou o Creador. — Tu não deves aos ho­mens desejar-lhes o mal! — respondeu-lhe o Misericordiosíssimo. — Ainda que eles andem pelo caminho das sombras, sempre haverá luz no fim do túnel. De certo, tu não deves recorrer ao mal para fazer os homens reconhecerem a santidade de Deus. Mas, pelo contrário, tu deves observar-lhes os erros, de modo que possas ensinar-lhes — e aos seus descendentes —, a não os cometerem novamente, instru­indo-os com o seu saber. Portanto, quando tu aos teus semelhantes desejas o castigo e a dor, tu te obstinas a saciar-te o teu anseio por vingança! Todavia não deves a este desejo terrível e enganoso ceder! Pois, sendo tu filho da luz, és por Mim orientado em bons caminhos a proceder. Por isso, livre-se desta tua sede por retaliação, e mante­nha-se na tua boa conduta, afinal, é desse modo que tu te elevarás ao reino dos céus — assim como já o tiveste antes da tua queda.

Dessarte, o velho, reflexivo mais uma vez, corroborou com o que Deus lho ensinava. Pois, compreendia a sabedoria eterna do Crea­dor, ao ouvi-Lo reverberar de dentro do seu peito. Porém, ainda intrigava o coração do ancião, o comportamento odioso que os ho­mens cometiam aos olhos de Deus. Porquanto, ele via que Deus não os corrigia — segundo o asceta cria ser a maneira mais correta de proceder —, pelo fato de ainda pesar-lhe na alma, os pecados da humanidade.

Por este motivo, profundamente angustiado, o anacoreta questi­onou:

— Senhor! Compreendo que não devo buscar por vingança, ali­mentando o desejo de ver aos meus semelhantes punidos com vio­lência pelo seu Creador. Mas, ainda insisto neste assunto, por não conseguir me conformar de ver tantas coisas odiosas que há debaixo do céu, e que o Senhor a todas elas tolera. Desse modo, por que Vossa Magnificência — sugestionou o velho de novo ao Altíssimo — não é mais incisivo em punir aos homens, mostrando-lhes o seu poder, e a tua gloria, através da força e do caos? Isso não os coagiria a se prostarem diante da tua majestade e poder eterno? Não obs­tante, segundo o meu entender, esta é a única forma de os homens se sujeitarem a tua misericórdia, pois, não há outro jeito, senão, atri­buindo-lhes muita dor e sofrimento. Afinal, a disciplina é a melhor maneira de se conseguir atingir um objetivo, qualquer que seja ele, ainda que, isto custe o uso indiscriminado da força. Ou seja, usando de violência para justificar o bem, através do mal.

Por conseguinte, o Misericordioso, respondeu ao ancião, corri­gindo-o novamente do seu desejo de querer ver a humanidade pu­nida pelas suas depravações. De tal maneira que, elucidou-lhe por meio da sua onisciência, o caminho para a salvação do homem:

— O Meu poder e a minha glória Eu já lhes mostro a todo o momento! — reafirmou o Altíssimo. — O mundo em que o homem existe, é feito de acordo com a minha vontade! E as coisas em que nele há, Sou Eu quem as faço existirem mediante o meu poder. O homem é fruto do meu querer, assim como tudo o que há no céu, abaixo do céu e além do céu! Pois, sendo Eu o Eterno, posso a todas as coisas sabê-las e concebê-las! E fazer a todas elas deixarem de existir, quando Me aprouver. Porém, não faço ao homem o que tu gostarias que Eu os fizesse, para que seja cada ser humano, conhe­cedor dos seus próprios erros, através das suas más ações, como também, próprias escolhas. Já que, sendo a maioria das pessoas de coração duro e indolente, só posso corrigi-las, quando elas se vendo em apuros por suas ignomínias, recorrerem a Mim, desesperados por justiça ou mesmo remissão! Portanto, é desse jeito que Eu posso doar-lhes a minha luz, que é a sabedoria de toda a humanidade. Conquanto, é dessa forma que faço com que os seus corações, Me conheçam em verdade e justiça, que é o que Eu Sou.

Dado isso, o velho ponderou sobre o que Deus lhe respondeu. Porém, ainda demonstrando renitência, continuou por perguntar-lhe mais, já que, de algum modo, as respostas que ele encontrou para as injustiças que há na Terra, a bem dizer, não lhe confortavam o cora­ção:

— Quer dizer, que é assim, então, que continuará a suceder as tragédias no mundo? — retrucou o velho asceta ao Altíssimo. — Posto que, no meu entender, os homens só chegarão até o Senhor, por meio das suas malícias e tolices. Logo, subentendo, por assim dizer, que o mundo continuará mergulhado no mal.

— Não são as tolices e nem as malícias dos homens, que os tra­rão até a Mim! — respondeu-lhe o Misericordioso com indulgência. — O que trará o homem diante de Deus é o seu esgotamento espi­ritual, por não encontrar nas suas praticas profanas e vazias, a luz que só Eu posso preenchê-los com o meu amor. Portanto, só pode vir até a Mim, àquele que Me recorrer no suplicio da oração! Pois, um coração cheio de soberba, não pode a Deus invocá-lo, muito menos conhecê-Lo.

Contudo, o velho ainda renitente, contradisse o que o Santo dos Santos queria ensinar-lhe, intuindo na sua alma, as respostas que só podem ser entendidas, por uma mente forte e sadia:

— Mas poucos são os corações que estão cheios da tua graça e que podem continuar a recebê-la! — observou o ancião imergido em profunda meditação. — Como que o Senhor consegue tolerar, a todos esses vasos vazios sem a sua luz? Via de regra, são eles, por assim dizer, fontes do caos que há na Terra, haja vista só possuírem a sua gnose, no tocante as vossas obras, faltando-lhes, certamente, a fé em quem as engendrou.

— Oras, Eu os tolero, porque sei que esses há Mim um dia recor­rerão! — respondeu o Altíssimo com sabedoria. — Tu deves enten­der que nenhum coração que esteja vazio, não haverá de ser em al­gum momento preenchido. E todo aquele que já está preenchido, pode vir a tornar-se vazio, se o homem não souber e continuar a cultivar dentro de si, a sabedoria que atribui significado as coisas existentes. Por certo, Deus age através do homem, quando esse busca n´Ele ser orientado e edificado em verdade — assim como tu fazes recorrendo a Mim agora, meditando e ouvindo o teu coração! Porquanto, tendo tu em espírito a vontade de Me conhecer, a ti Me apresento por sinais, toques e palavras para te responder.

— Senhor! Não sou digno de contradizer-Te muito menos de questionar-Te. — disse o velho envergonhado ao Creador. — Sinto-me o maior dos homens por poder conhecê-Lo em meu íntimo, principalmente quando medito! Mas, por outro lado, lamento pelos demais que não o encontraram e que não o conhecem como eu a ti encontrei, e Te conheço em espírito, através da minha imersão. Ademais, gostaria de poder de alguma maneira aos olhos deles e aos ouvidos abri-los, para que podendo eles enxergar-Te nas revelações e ouvir-Te no silêncio, consigam sair das ilusões mundanas que se submeteram, e, dessa forma, aos teus mistérios, assim como eu, des­cobrirem.

Ao passo que, Deus, ao velho respondeu buscando amenizar a dor que ele sentia por não se permitir aos homens ensinar-lhes a abrirem os olhos e os ouvidos para o entendimento, como ele gosta­ria de com eles compartilhar, devido ao seu preconceito e desprezo pelo gênero humano:

— Tu não deves se envergonhar de ter-Me como o teu amigo e confessor, muito menos de fazer as tuas colocações. — retorquiu o Creador. — Sendo tu filho da luz, é o Santo Espírito que do teu coração responde! Porquanto, ó ermitão, sendo ele quem te edifica em verdade, é através de ti, dos anjos e de toda a humanidade, que Me torno conhecedor da minha grandeza. Tu tens que aos homens compreendê-los e respeitá-los pelo estado em que eles se encontram de ignorância! Porque, só podem os homens se iluminarem em ver­dade e amor, quando a Deus buscarem — não nas coisas terrenas e mutáveis. Mas, a bem dizer, em seus corações, onde brilho em infi­nita virtude e compaixão.

— Os homens ao Senhor só buscam descobrir-Te — afirmou o velho — no que está revelado! Com efeito, pois, ainda lhes falta a fé, de crerem para ver...

No entanto, compreendendo a alusão do ancião, o Creador, res­pondeu-lhe explicando o mistério da revelação:

— Nas boas obras reveladas mediante o empenho da humani­dade, faço-Me ser visto por aqueles que Me ouvem em silêncio, e observam com serenidade. Só pode o homem conhecer o que está em mistério, se antes, de modo final, ele se iluminar em verdade! Portanto, não é nas sombras que está às respostas para as coisas cre­adas e manifestadas. Outrossim na luz divina que emana a todas as coisas existentes, visto que, é dela onde tudo já existe em poten­cial.

Destarte, o velho ainda sentia um pesar em seu coração. Ele não se conformava pela forma que os seus semelhantes ignoravam ao Altíssimo, por meio das suas atitudes profanas e impuras que eles praticavam. E inconformado, ao Creador, mais uma vez retorquiu-lhe:

— Senhor! — exclamou. — Pesa-me ter que do Senhor discor­dar. — aludiu o eremita. — Ainda que eu compreenda ser Vossa Santidade a sabedoria de tudo o que há, houve e haverá, sinto ser Vossa Graça muito misericordioso com a humanidade. Ademais, as teorias que os homens elaboram para justificarem a sua existência (e mesmo a deles), são intoleráveis ao espírito da verdade! Portanto, a Vossa Grandeza pergunto: como pode o Senhor esperar que os ho­mens em seus erros possam se corrigir ou serem corrigidos, se eles nunca aprendem ao sagrado buscarem em espírito através do silên­cio e da meditação? Uma vez que, são quase todos inconse­quentes em suas más obras e escolhas, por duvidarem, Vossa Alteza existir?

Em razão disso, Deus, compreendendo o pesar do coração do velho, respondeu-lhe:

— Mestre ancião! És tu digno dos mistérios santos conhecê-los, e das revelações espirituais poder compreendê-las. Afinal, sendo tu também filho do Eterno Deus Creador, sabe que o Pai a tudo co­nhece (mesmo as praticas que tu julgas serem profanas de acordo com a má atitude dos homens). O que Deus revela em espírito e verdade ao homem mundano — não é a sua ira — outrossim a sua misericórdia! Pois, se o Creador a sua ira aos homens devassos reve­lasse, eles não aprenderiam com os seus próprios erros, e tornariam a cometê-los e a culpar o Creador pelas suas perversões. Certamente, tenho na minha eterna paciência e sabedoria, observado aos homens e aos seus pecados. No entanto, sabedor como Eu Sou de tudo o que existe, sei que os homens em algum momento terão que recon­siderar os seus erros. Já que, sendo estes a causa da sua ruína, só em Deus buscarão auxilio, quando estiverem perdidos em trevas e deso­rientados em espírito, no labirinto ilusório das suas paixões.

Finalmente o velho ancião compreendeu que o Pai Eterno não é um Deus vingativo (assim como estes que os homens cultuam em suas falsas religiosidade). Mas, por outro lado, uma divindade de amor e verdade! Pois, se fosse o Creador um Deus de vingança (como o velho desejava que Ele fosse com a humanidade), não seria o Altíssimo a eterna sabedoria e virtude de tudo o que há.

 Dessa forma, ouvindo ao seu coração no mais profundo silêncio do abismo da sua alma, o mestre ancião despertando do seu pro­fundo estado meditativo, emergiu do caos turbulento de suas emo­ções. Porquanto, abrindo os olhos e contemplando ao grande lago à sua frente, inspirando e expirando de maneira harmoniosa, com o Misericordioso comentou:

— Sou grato ao Senhor por ter compartilhado comigo dos teus santos mistérios. — disse demonstrando a mais sincera humildade. — Além disso, ao buscar-Te em sua infinita sabedoria, tornei-me, desse jeito, conhecedor da vontade do Pai Eterno, de modo que me sinto preenchido pelo seu amor universal. Obviamente, não nego, que caí em contradições, ao desejar aos homens a minha ira e meu rancor, haja vista ainda não compreender, que estes desejos nada mais eram do que as sombras pelas quais eu as tinha dentro de mim, e que me feria a alma, por rejeitá-las serem um reflexo da minha própria dualidade, ou seja, bem e  mal.

Conquanto, desde já, fico crente de que, não há para o homem nenhuma outra salvação, a não ser, via de regra, quando ele volta para sua essência divina que é a luz, meditando e ouvindo o silêncio interno do seu coração. Além do mais, esse é, por vezes, o único caminho pelo qual pode a humanidade redimir os seus pecados, ao imergirem, cada qual, em si mesmos, no abismo mais profundo de suas almas, e descobrirem, de certo, as respostas para as suas contra­dições. Amém!

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Sinopse

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