O Asceta

 

 

Havia em meio a um vale — cercado por uma cordilheira de montanhas — um homem santo muito temente a Deus, que tinha por trabalho sempre ir cortar lenha no bosque, que ficava pró­ximo do seu casebre. De fato, sendo este homem uma pessoa muito pobre (por possuir pouco estudo, devido a sua escolha a vida asceta), ele não dispunha de muitos recursos financeiros para poder ter um padrão de vida melhor na cidade, sendo, portando, daí, a sua ocupa­ção de lenhador, e, vez por outra, agricultor.

À vista disso, durante um dia muito frio de inverno, foi esse as­ceta — como de costume — a floresta cortar alguma madeira e catar alguns gravetos, para ascender o seu fogão a lenha, de modo a poder cozinhar o seu alimento, o qual ele próprio o cultivava em uma pe­quena roça de subsistência, próximo a um riacho.

Contudo, de repente, surgiu por diante dele uma pira de fogo muito luminosa. E esta pira reluzente para ele falou:

— Ó homem! Sei o quanto tu sempre foste grato pelo pouco que teve ao longo da tua vida na Terra, e mesmo passando muitas vezes por dificuldades, tu não te abalaste e não deixaste de ter fé em dias melhores.

Diante disso, o homem santo, assustado com aquela aparição so­brenatural, a pira de fogo luminosa perguntou:

— Quem és tu? De onde vieste? — indagou apavorado. — Vossa mercê és algum ser maligno que me quer possuir?

— Tu deves ter fé e mais confiança em si próprio! — respondeu-lhe a pira de fogo que faiscava fagulhas de chamas brilhantes. — Além disso, sendo eu o teu mentor espiritual, tu deverias por me ter em estima, ao contrário de me temer. Visto que, sou luz em meio às trevas para revelar as coisas que no mundo interior do homem exis­tem, e tu a mim encontras, quando dentro de si, busca pelos misté­rios ocultos que estão escondidos no abismo mais profundo da sua alma.

Todavia, por ser uma pessoa muito humilde, o lenhador não compreendeu o que a pira refulgente lhe dissera. E perguntando para o fogo que se consumia — mas que não se apagava e nem o quei­mava —, se expressou:

— Diga-me primeiro, por favor, quem és tu! — disse novamente o asceta virando o seu rosto devido ao forte clarão. — De onde vossa mercê víeis, para que eu possa saber com quem estou a falar? E por que apareceste para mim em chamas, aqui, em meio a esta floresta quase escura e silenciosa?

— Eu sou aquele que sempre existiu! — respondeu-lhe a pira em labaredas. — Pois, sou eterno, por ser o fogo divino do Creador. E também, eu sou quem dentro de ti brilha, quando tu me encontras imergido em silêncio e meditação. Por causa disso, eu sou aquele que de igual modo, as coisas que existem, antes, dou-lhes forma, quando tu buscas significado em atribuir-lhes certeza mediante a tua fé.

Por conseguinte, o homem por ser muito modesto (devido a sua condição de asceta), perguntou ao lume que brilhava diante dos seus olhos, como uma imensa fogueira, o que, de fato, ele desejava querer dele:

— Mas por que tu me apareceste assim, repentinamente? O que queres de mim? — perguntou novamente, o santo, ainda assom­brado.

— De ti não quero nada! — respondeu-lhe o fogaréu. — Entre­tanto, sei que de mim tu queres tudo! Além do mais, é o homem quem encontra primeiro dentro de si, o que ele vê posteriormente fora. Uma vez que, é interiormente, mediante a sua fé, que se faz a obra existir além de si próprio, por meio do esforço e do trabalho no qual tu te empenhas em praticar. Portanto, tudo o que existe distante de ti, são apenas ilusões do que dentro do seu âmago foi atribuído significado, para elas existirem externamente. Entrementes, ainda assim, tu sempre (ao contrário dos teus semelhantes), buscaste ter a vida simples que levas, tentando compreender em si mesmo, o que fora não encontravas procurando. Logo, querendo pouco do mundo, tu buscaste na solidão e no afastamento o significado para uma vida interior mais profunda. Dessa forma, o que no seu interior, tu imergido em tua solidão procuraste, agora, aqui, fora de si, tu encontraste! E estando hoje a apanhar os gravetos para o seu cozi­nhado fazer, a vida lhe tem sido por de modo muito tranquila, por tu a ela ter desejado plácida. De certo, eu hoje a ti me revelo como sendo o seu mentor e instrutor, nesta longa jornada a qual tu estás a percorrê-la, no decorrer da sua vida na Terra.

— Sim! — corroborou o lenhador. — Sempre tive a vida que so­nhei em tê-la. Destarte, nunca quis do mundo mais do que ele pode­ria me dar. A vida que busquei na minha mocidade viver, pois, é a que vivo hoje, isolado, neste casebre como lenhador. E sou feliz com ela! Não tenho nada a pedir e sim muito a agradecer! — disse o homem sorrindo. — Nunca me faltou o necessário! — acrescentou. — Graças a Deus estou satisfeito. — concluiu.

— Sei o quanto tu gostas da vida que levas. — replicou-lhe a pira de fogo. — E que nunca deste muita importância às coisas munda­nas, por desejares mais a graça de Deus, do que o convívio com os homens. Porém, percebo que em ti ainda falta algo a ser concreti­zado! Ademais, de fato, sendo tu por uma pessoa muito pacata, aos desafios da vida nunca estivestes submetido. E sendo tu muito sos­segado, as provações terrenas, tu não as viveste, para poder aprender com elas, as experiências que a vida pode te ensinar.

Dado isso, o lenhador concordou com o que a pira de fogo lumi­nosa lhe tinha falado a seu respeito. E respondeu-a:

— Sim! — corroborou de novo o asceta. — Sempre procurei vi­ver uma vida serena sem que houvesse dificuldades e obstáculos a ter que superá-los, de tal maneira que decidi, por melhor, me afastar das confusões do mundo! Com efeito, sendo a civilização dos ho­mens um lugar mal e corruptível, não quero de forma alguma estar nela para me corromper. Além do mais, vivo conforme a vontade de Deus — disse calmo — e assim estou muito feliz em viver a minha vida, neste vale, em paz e serenidade.

— O mundo, por vezes, não é tão mau como tu pensas! — insi­nuou-lhe a chama ardente cintilante. — O que corrompe o homem, não é a vida civilizada, mas, por outro lado, aquilo que dentro de si, sobre fortes emoções, ele cultiva em segredo! Dado que, é o homem quem crê serem as coisas mundanas e passageiras, a causa do mal que lhe deprava a alma. Não obstante, ele se esquece, de que são os seus pensamentos, o reflexo de tudo o que na vida ele vive de bom e ruim.

Porém, o lenhador, por muito recatado que era — dado a sua condição de homem santo —, não compreendeu o que a pira lumi­nosa de fogo o explanou. E perguntou:

— Mas como assim? — contra-argumentou. — São as coisas mundanas que corrompem o homem! — afirmou o asceta convicto do que dizia. — Ele vive para buscá-las e possuí-las. E quando as consegue, deixa para trás um rastro de arrependimentos e aflições, que não conseguindo se livrar adoece, de maneira que, metido até o pescoço e em desespero, muitas vezes comete até suicídio, para tentar se libertar do peso que a sua consciência o acusa.

— Não! — retrucou a pira de fogo resplandecente. — O homem busca no mundo o que dentro de si antes ele atribuiu significado existir. Afinal, tudo o que o homem acredita ser verdadeiro, assim o é! Se ele as coisas mundanas deseja-as, é porque ele as tem em se­gredo no seu coração. E se por algum motivo ele não as conseguem, é porque não atribuiu a si mesmo a capacidade de consegui-las. Ou seja, quando consegue aquilo que desejou, se arrepende de ter dese­jado o que a si próprio, porventura, lhe faria mal, por querer, a bem dizer, servir-se primeiro dos prazeres da carne, sem que antes apren­desse a buscar se satisfazer em espírito e verdade — por meio do corpo e da alma, imergindo em silêncio no seu interior —, do poder e da graça do divino espírito santo, que é a sabedoria de Deus.

Por consequência, o lenhador observava a pira de fogo brilhante com admiração e espanto, de modo que, se posicionou dizendo-a:

— Tu respondeste bem! — aludiu. — No entanto, como pode o homem, então, desejar a todas as coisas terrenas — contra-argu­mentou novamente o que havia anteriormente corroborado —, se elas antes existem dentro dele, como o senhor, agora, explicou-me?

Respondeu-lhe a pira luminosa:

— O homem primeiramente deseja o que dentro de si ele atribui significado (através dos pensamentos e emoções), para depois, fora de si, existir. Tudo o que o homem sonha possuir, é porque, antes já existe dentro dele, em potencial, na forma de desejos e paixões. As coisas que existem fora do homem, é o que ele como consciência cultivou imaginando, e atribuiu significado a elas, mediante o con­ceito da fé. Só pode o homem ver, o que ele crer existir! E só pode o homem querer, o que antes já existe dentro dele em verdade, sendo, portanto, daí, tudo o que existe, uma projeção exterior do que antes o homem imaginou e creu no seu interior, por já existir, no plano divino da creação. Portanto, é a humanidade, por sua vez, o vaso pelo o qual Deus derrama todas as suas bênçãos em forma de luz, e, vez por outra, as suas maldições, em forma de trevas, quando o homem afastado do seu Creador, se crer ser o seu próprio Deus.

Em razão disso, o lenhador aspirava compreender com mais pro­fundidade o que a pira reluzente se esforçava em lhe explicar. E mais a interpelou:

— Então, tu queres me dizer... — titubeou — que a vida que possuo é porque eu desejei tê-la através da minha consciência que dentro do meu corpo reside? Quer dizer que a forma em que vivo, é o que por meio da minha alma desejei assim viver em espírito e verdade, como tu me afirmas?

— Sim! — respondeu-lhe a pira de fogo luminosa afirmativa­mente. — Todavia, tu ignoras uma parte de si — a sua sombra — por que tu te negas conhecê-la, por temê-la! Razão pela qual, tu con­tinuas repreendendo-a no seu subconsciente, ou seja, no abismo da sua alma. Tu tens que a estes mistérios buscar compreendê-los, para poder ter a experiência completa do que dentro de si tu não queres atribuir significado. Por vezes, ainda que não devesse aos teus dese­jos e pensamentos perniciosas atribuir significado, insuflando-os de emoções, para que eles a ti não venham a acontecer, causando-te algum mal, tu não deves também negar tudo o que em desejo culti­vas em segredo dentro de ti! Já que, estando encarnado, tu, aos bens e prazeres terrenos, deseja-os, porque, é por meio da forma (encar­nada), que o espírito reconhece o que há em potencial no seu inte­rior. Não obstante, como temes aos homens e as suas cidades, tu se esquivas do convívio com os seus semelhantes, e priva-te, desse modo, de aprender conhecer-se a si mesmo, mediante os desafios que a vida em sociedade, o condicionaria a ter que viver.

Isto posto, o homem, então, pensativo sobre o que a pira de fogo rutilante a ele disse, retrucou-a:

— E como tu sabes destas coisas?

— Eu sei — disse-lhe o fogaréu — por que Eu Sou em verdade eterno! E sendo eterno, também sou conhecedor do bem e do mal — não como a Deus, mas muito próximo a Ele.

Consequentemente, o pobre lenhador sentiu um forte arrepio no seu corpo, como a uma descarga elétrica que o percorria como a um raio através da espinha. Por conseguinte, novamente assombrado, perguntou:

— Então, quer dizer, que o senhor é Deus!

— Não sou Deus! — respondeu-lhe de novo a pira de fogo fla­mejante. — Mas sou a vontade do que tu entendes por Deus! Afinal, sendo eu a sabedoria que emana do Eterno, eu sou a consciência e a verdade que faz com que todas as coisas existam, por meio de ti.

Porquanto, o homem ainda sentindo um forte arrepio pelo corpo, perguntou a pira de fogo luminosa:

— Quer dizer, que então, o senhor pode aos meus desejos fazê-los tornarem-se reais?

— Sim! — afirmou o clarão. — Faço-os acontecerem — disse-lhe o fogo luminoso — quando tu a eles atribuis significado existi­rem! Pelo fato de, sendo eu quem a todos os mistérios revelo-os, eu sou quem a todos os desejos posso fazê-los materializarem-se.

Por causa disso, já demonstrando bastante curiosidade, perguntou o asceta por último à pira de fogo que Luzia labaredas incandescen­tes:

— E o que será de mim, já que tu és sabedor do bem e do mal, por a tudo poderes ver?

— Não é o que será de ti, mas o que já é de ti! — respondeu-lhe o fogo ardente em chamas. — Tu, após a queda do paraíso, come­çaste por atribuir significado (a todas as coisas sob fortes emoções), quando dentro de si enxergou como verdade, aquilo que desejavas em pensamento, ao abrires o teu olho espiritual, após ter comido do fruto proibido do bem e do mal. Portanto, ó homem, não é só como tu pensas ser! Mas, por sua parte, como tu desejas que sejas. Por vezes, ainda que aqui, neste vale, tu vivas isolado, a outros seme­lhantes a ti que estão construindo a realidade, atribuindo ao mundo o significado das coisas que nele já existem e continuam a existir. De certo, é por esse motivo, que isso já faz de ti, uma consciência muito maior! Ou seja, sendo tu uma via por onde Deus compreende o seu potencial infinito, Ele está através de ti construindo a realidade. Logo, é dessa forma que buscando dentro de si compreender quem de fato tu és, é que verás (não o que pensas e queres continuar sendo, um simples homem do campo), mas, por outro lado, tu te enxergarás muito maior do que se condiciona, e imagina ser! Uma vez que, sendo por meio de ti que Deus faz as suas obras, tu ou­vindo-O em silêncio no seu coração, farás muito mais do que viver isolado, aqui no campo, em um casebre pobre catando gravetos no bosque pelo chão, para poder cozinhar o seu alimento e, desse modo, sobreviver. Entrementes, tu poderás fazer obras ainda maio­res, como as espirituais, instruindo aos homens os ensinamentos sagrados, quando permitir-se ter fé em si mesmo, para que Deus possa por meio de ti agir.

Por fim, a pira luminosa, então, repentinamente desapareceu. E o asceta que estava lenhando no bosque, ficou ainda por um tempo todo eletrizado, por ter tido aquela experiência mística e sobrenatu­ral. E daquele dia em diante, ele procurou repensar a sua vida e sair daquela condição a que ele se submeteu. Quer dizer, sendo maior do que era — como o havia dito a pira de fogo incandescente — ele soube a partir do momento que imergiu dentro do seu próprio ser, que poderia muito mais coisas realizar, do que continuar vivendo aquela vida miserável e pacata que ele escolheu viver, pensando estar consagrando-a a Deus.

E consigo pensou:

— Doravante, diante disso tudo o que me foi falado, devo procu­rar, então, o convívio com os homens na cidade, para que, assim, eu possa desenvolver o meu potencial interior, e fazer, obras que justi­fiquem a minha existência terrena. Haja vista que, o homem, foi feito por Deus para poder manifestar todo o seu potencial infinito de realizar boas obras, como também, de se permitir agir por meio da sua própria escolha, optando em fazer o bem, tanto quanto o mal, de acordo com a sua inclinação para as trevas ou para luz. Amém!

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