O Deslizamento

 

 

Enquanto um homem solitário caminhava numa estrada que cortava a um desfiladeiro de terreno arenoso, indo em direção a sua casa, aconteceu, de repente, de lhe sobrevir um deslizamento de terra. E, caindo sobre ele pedregulhos, assustado, o homem ten­tou correr, mas tropeçou em um buraco que o fez cair no meio da estrada. Por causa disso, agoniado por ter se machucado ao pisar em falso e torcer o seu tornozelo, levantando-se cambaleante, o homem furioso a Deus clamou:

— Meu Deus do céu! Tende piedade de mim! — disse se afas­tando da ribanceira mancando. — Estou aflito e em apuros. — ar­rastava a perna com o tornozelo ferido. — Olha o que me aconte­ceu. — sentou-se em uma grande pedra que havia na beira do desfi­ladeiro. — O que faço agora? — perguntou aturdido grunhindo de dor.

Por sua vez, ouvindo-lhe a súplica, o Misericordioso, respondeu-lhe:

— Ó homem! — retorquiu o Creador compadecendo-se com o sofrimento do caminhante. — O que temes? — perguntou-lhe. — Nada irá te acontecer se tiveres (ainda que te seja difícil), um pou­quinho de fé. Porque, estou aqui, pronto a te acudir no que precisa­res, e ajudar-te no que te for necessário, para que chegues com segu­rança a tua casa.

No entanto, o homem angustiado e com medo de quem lhe fa­lava, questionou a voz que reverberava de dentro de si, como a um trovão:

— Quem me diz? Quem está a me responder?

— Quem tu clamaste por socorro! — redarguiu-lhe a voz miste­riosa.

Por conseguinte, o homem tentou se levantar da pedra onde ele havia sentado para descansar do tombo, de modo que procurou o caminhante se acomodar próximo à outra rocha que descia em dire­ção a um rio, que percorria paralelamente ao desfiladeiro.

E a voz indagou:

— Senhor! Por que permitistes que me sucedesse este infortúnio? O que faço agora que estou com o meu tornozelo quebrado? Como voltarei para casa, se estou ferido e o percurso que tenho que per­correr, é muito distante até que eu chegue ao meu lar?

Em seguida, respondeu-lhe a voz que se assemelhava a um tro­vejar em meio à tempestade:

— Aconteceu este deslizamento, ó homem, para que tu renovas­ses a tua fé! Pois, vendo-se diante do perigo iminente de seres soter­rado no fundo do desfiladeiro, tu temeste pela morte! E no seu te­mor, tu te lembraste de buscares em Deus o teu auxílio. 

— Mas Senhor! — contra-argumentou o homem perplexo pelo o que estava lhe ocorrendo naquele momento desafiador. — Por que me fizestes passar por tamanho apuro se eu sempre tive fé no Se­nhor?

Por cuja causa, o Altíssimo respondeu e explicou ao homem o motivo dele estar passando pelo infortúnio que sucedera:

— Tu, a tua fé, não a cultivavas dentro de si mesmo! Daí ter de­corrido o que te sucedeu, pois, vives pelo mundo conforme a tua vontade, e as coisas terrenas (que lhe apraze conhecê-las), tu as bus­cas como se fosse um urubu sobrevoando a carniça, sedento pelo desejo de possuí-las! Desse modo, tu não andas te preocupando em se salvar, por que nunca se importaste em Me buscar, devido ao fato de não acreditares que deverás prestar-Me contas por tudo o que fizestes e fazes ao longo da tua jornada sobre a Terra.

— Fé eu sempre tive! — retorquiu o homem procurando um modo de se justificar. — Porém, só faltava ao Senhor encontrá-Lo. Confesso que eu não me importava muito em me salvar, até porque, pensava mais em gozar a curta vida que tenho aqui, nesta Terra, do que me esforçar em me espiritualizar.

— A fé sem obra é morta! — disse-lhe o Cristo em tom de crí­tica. — Só pode o homem ter fé, quando ele se compromete em ouvir ao seu Deus, que lhe fala do coração. Quando tu Me buscas em seu silêncio e Me encontras no seu interior, posso te orientar a fazer as coisas boas que deves realizá-las. Todavia, quando o homem vive no mundo a bajular as coisas terrenas, e não busca espirituali­zar-se escutando a Deus, que a tudo creou, cai o espírito humano na idolatria das projeções dos seus desejos! Dessa forma, exalta-se o homem em querer possuir as coisas mundanas, por achá-las mais importantes, e não as virtudes cardinais do espírito (a temperança, justiça, fortaleza e prudência), que vivifica o homem e transformam o seu coração.

— Mas Senhor! Não irá todos os homens morrer? — redarguiu de modo retórico o caminhante, tentando, mais uma vez, justificar-se. — Porque, subentendo que é desse jeito que se sucede a todos as pessoas, logo, por que buscar a sabedoria do espírito, se o espírito nunca morre? Ou seja, não deve a humanidade continuar a buscar os prazeres do mundo, que lhe satisfazem os desejos da carne? Com efeito, pois, suponho no meu modo de pensar, que o espírito não tem nada haver com isso. — afirmou o caminhante encostado na rocha, observando a correnteza do rio.

— Tolo tu és por pensar assim! — replicou-lhe o Creador furi­oso. — Deve o homem regozijar-se em encontrar o seu Deus! Pois, sendo a humanidade que foi feita a semelhança da divindade, é a divindade que através da humanidade poderá fazer maravilhas, na­quilo de melhor que as pessoas forem capazes de realizar em obras. Desse modo, as pessoas que buscam nas coisas do mundo se satisfa­zerem, são as mesmas que vivem perturbadas por não terem encon­trado dentro de si, a fé que lhes apaziguaria os desejos supérfluos e mesquinhos que fazem os humanos, crerem ser alguém neste mundo. Por ora, quando conseguem alguma coisa em relação a isso, pagam um preço alto demais por terem desejado mais aos prazeres terrenos, do que ao Espírito Santo que a tudo creou. Todavia, o homem que crê em Deus e faz as tuas obras segundo a vontade do seu Creador, esse é bendito entre todos os homens! Portanto, en­controu este ser humano a virtude que brota de seu ser, e que emana a verdade e justiça ao longo da sua vida na Terra.

Posto isto, o homem com muita dificuldade após ter se ferido na queda, caminhou em direção à beira do rio arrastando a perna es­querda, com o intento de lavar o seu pé que já se encontrava in­chado, devido à torção do tornozelo. Porquanto, sentando-se numa outra pedra já dentro da corrente do rio, pôs os pés na água fria como forma de anestesiar a dor, e a voz suntuosa que reverberava como um forte trovão, indagou-a:

— Senhor! — exclamou após respirar fundo. — Mas se as coisas assim acontecem... — pausou, pensou um pouco em silêncio com os olhos fixos na água... — Então por que os homens não O encontrão dentro de si mesmos, para que o Senhor possa instruí-los em tua sabedoria? Não é o Senhor quem deveria ao homem buscá-lo, para satisfazer aos seus desejos, revelando-lhe a tua vontade?

Consequentemente a sua pergunta, o Misericordioso, respondeu ao caminhante, corrigindo-o de sua ignorância sobre a grandeza do Santo Espírito:

— Não! — afirmou. — Não Sou Eu que devo buscar-te, ó ho­mem! — replicou-lhe o Creador. — Pois, eu o fiz a minha imagem e semelhança. Portanto és tu que ao tomar consciência do seu estado de criatura, e de filho de Deus, é quem deve Me recorrer na tua jor­nada, para que eu te endireite os teus passos! Porque, Eu Sou a ti Pai. Desse modo, pois, não é o pai quem deve recorrer ao seu filho para os seus problemas resolvê-los. Mas é o filho que crendo na sabedoria do pai, deve recorrer-lhe! Visto que, sendo o filho feito à imagem e semelhança de seu pai, é o pai quem deve ao filho instruir. E instruindo-o em sabedoria e verdade, poderá o filho gerar bons frutos, que alegrará ao seu pai.

Destarte notava o homem a grandeza e a sabedoria que Deus lhe estava revelando, de maneira que, enquanto se curava na correnteza do rio, mais continuou a perguntá-Lo:

— Senhor! Por que a humanidade dá mais importância às coisas terrenas e passageiras, e não tem fé em ser o seu Creador, quem pode ajudá-las a resolverem todos os seus problemas? O que impede as pessoas de recorrerem ao Senhor?

Em seguimento a sua pergunta, o Majestoso concedeu-lhe a res­posta, ensinando-o a perceber que ao Creador encontram as pessoas que em humildade e pureza de espírito o buscam dentro de si mes­mas, ao mergulharem em silêncio e meditação nos seus templos sagrados, o corpo humano:

— O que impede as pessoas de recorrerem a Mim, é o orgulho! — respondeu-lhe o Misericordioso. — Pois, sendo as massas crentes em si próprias, de serem capazes de resolverem todos os seus pro­blemas, pelas faculdades intelectuais de que eu os dotei, esquecem esses, de que é de Mim que provêm a sua inteligência! Portanto, ó homem, Eu Sou quem concede a sabedoria para os que me recorrem de modo correto. Não basta os humanos serem fieis a Deus em palavras e gestos. Contudo, o mais importante para as pessoas é serem fieis a Deus em espírito! Porque é dessa forma que estou sempre a me comunicar com os povos. Por vezes, o Pai sendo eterno, só pode ao filho falar, quando esse aprende a escutá-lo re­verberar de dentro do seu vaso sagrado, o coração.

Em decorrência ao pronunciado, o homem fortalecido em corpo, alma e espírito através da palavra do Magnificente, disse-Lhe:

— Senhor! Agora compreendo o porquê Tu fizeste com que co­migo se sucedesse este infortúnio, que quase me custou à vida. Eu tenho há muito tempo me afastado da tua grandeza! E achando-me dono de mim mesmo, esqueci-me de que é Deus quem orienta o homem por bons caminhos! E que é só o Senhor que pode livrá-lo dos maus trajetos. Portanto, ó Pai Eterno, peço-Te que me perdoe por eu ter-me afastado do resplendor da Sua glória. E que me con­ceda a tua sabedoria, para que eu possa dar bons frutos e enaltecer a tua vontade, a todas as pessoas que a Deus necessitam reencontrá-Lo aqui na Terra.

Diante disso, o Creador explicou ao caminhante porque permitiu que acontecesse com ele aquele infeliz deslizamento, e o conse­quente tropeço que feriu o seu tornozelo:

— Ó homem! Tu agora Me encontraste! — disse-lhe o Creador jubiloso. — Porque Eu a ti Me revelei pelo deslizamento que fiz acontecer contigo, enquanto caminhavas a passos errantes em dire­ção a tua casa. Se tu não tivesses a Mim clamado por socorro, tu terias morrido! Pois, não percebendo estar diante da morte, estaria crente em se salvar! Mas em seu orgulho pereceria. Apesar disso, que bom que tu Me achaste quando invocou-Me com fé! Porque só pode Deus as pessoas se revelar, quando essas deixam de lado a sua so­berba, ouvido o ressoar da voz dos seus corações.

Pelo que, o homem se sentido aliviado de ter escapado da morte, e a Deus encontrado sentado em seu trono sagrado, o agradeceu por ter-lhe aberto o olho (não da carne, mas do espírito). Conquanto, este passou a obrar (não pela tua vontade), mas pela a que Deus lhe dotou ser capaz de realizá-la. Por conseguinte, a muitas outras pes­soas esse humano levou a conhecer os mistérios de Deus! Pois, só pode a humanidade ser conhecedora dos segredos sagrados, quando ela for edificada em luz e verdade pelo seu Creador. E só pode o Creador se revelar aos humanos, quando esses em suas aflições e consequente humildade reconhecem ser Deus, quem a tudo pode tornar notório o que era obscuro as massas.

Porquanto, de modo final, agradeceu este caminhante ao Pai, após ter se levantado e saído do rio o qual estava sentado na pedra, curando-se do inchaço do seu tornozelo:

— Louvado sejas, ó bondoso Pai Eterno! Por ter-me concedido um pouco da tua sabedoria e me ter feito perceber, a tua grandeza. Por certo, hoje, me sinto realizado de poder tê-Lo encontrado, quando no meu tropeço, pude enxergar a tua misericórdia. Sinto-me aliviado por ter escapado de ter morrido neste desfiladeiro, quando ouvi a tua voz reverberar como a um trovão de dentro do meu peito. Agora sou fiel ao Senhor por ter-me concedido o dom de poder corrigir-me dos meus erros e da minha autossuficiência, quando aprendi com o Senhor o valor da oração. Amém!

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