O Pároco

 
 
 
 
Um moço de vestes pobres e olhar vazio estava atento por ter ouvido falarem sobre um acontecimento que havia abalado à comunidade da qual ele fazia parte, em um povoado cercado por montanhas e por um grande rio que o cortava ao meio. Por sua vez, tentando elucidar o que estava acontecendo, foi o rapaz ao encontro de respostas, perguntando as pessoas o que elas tinham de conheci­mento a respeito do boato que corria de boca em boca na pequena cidade:

— O que aconteceu de tão importante para estar havendo esse falatório todo? — perguntava curioso o rapaz aos caminhantes da agremiação, que se formou em meio à praça.

Contudo, aproximou-se dele um senhor de muita idade (apoi­ando-se em uma bengala), que veio até ele, e lhe explicou o que es­tava acontecendo, de modo que, esse senhor, narrou-lhe a história de um rapaz que morava do outro lado da montanha — em outro vilarejo — e que estando só e desiludido com a vida, se suicidou:

— O que se passou no outro vilarejo, foi uma tragédia! — disse-lhe o velho levando a mão esquerda ao rosto, e balançando a cabeça em sinal de desaprovação. — Um jovem rapaz como a ti, tirou a própria vida, de maneira que a sua luz interior ele a apagou.

E sem mais delongas, esse mesmo senhor aconselhou ao rapaz para que ele não ficasse procurando conhecer sobre as tragédias que não se deve ficar comentando:

— Tu não deves ficar bisbilhotando sobre esse tipo de coisa que as pessoas mal intencionadas fazem, dado que, quem o faz, é porque ficou longe de Deus, assim como tu já ficaste um dia antes, meu caro jovem. — e se afastou o velho do rapaz andando pela calçada em meio à turba que se encontrava alvoroçada pelo acontecido.

Todavia, o moço continuava curioso sobre o porquê esse rapaz que o senhor lhe narrou o acontecimento tinha se suicidado, e foi procurar pelas respostas no outro lado da montanha, onde se locali­zava esse vilarejo, donde se passou o ocorrido. E viajando até lá, ele ficou perplexo com o tumulto que ocorria também naquela cidade, e com o bafafá das pessoas cochichando sobre o triste acontecimento:

— Que tragédia meu Deus! — diziam os moradores inconforma­dos com o mal que se sucedeu.

Logo, foi esse jovem ao encontro de saber, onde o rapaz que se suicidou morava, visto que ele descobriu que o dito cujo vivia em uma choupana muito velha que ficava próxima a um rio, e que o mesmo tinha perdido os seus familiares para fome e a doença, e desgostoso com a vida, tirou a sua própria, por não crer na provi­dência de Deus:

— Como pode esse rapaz ter tirado a própria vida? — murmu­rava consigo o jovem diante da tapera onde havia acontecido a tra­gédia.

Consequentemente, quanto mais procurava esse jovem saber da adversidade que havia se sucedido, os comentários que chegavam até ele foram ficando cada vez mais sinuosos, pois, as pessoas davam a entender quem era aquele rapaz, e o motivo que o levou a cometer o famigerado ato infame:

— Deus que me livre e me guarde! — diziam os populares ame­drontados com a desgraça. — Só Deus pode nos guardar! — fala­vam aterrorizados, evitando tocarem no assunto.

Por conseguinte, havia neste vilarejo um pároco, que era conhe­cido pelos demais moradores por ser o líder espiritual da comuni­dade, de maneira que esse pároco ao jovem que o encontrara junto ao local onde havia acontecido à fatalidade, observando a tristeza pesar no seu semblante, aproximou-se dele e explicou a causa real do rapaz ter tirado a própria vida:

— Essa pobre alma que desencarnou, deixou ao mudo para se juntar aos seus familiares, devido à dor com a qual ele estava pas­sando, por ter perdidos a todos os seus próximos para a doença e a fome.

Porém, o pároco notando a dor do rapaz que estava ali parado, diante da choupana onde ocorreu a tragédia, também estava curioso com o interesse do jovem que veio do outro lado da montanha, para testemunhar o que ouvirá lá na sua cidade. E, questionou-o do mo­tivo deste moço ter se interessado em tomar partido da calamidade que sucedeu, comentou:

— E tu? Por que queres tanto saber sobre este caso deplorável?

 Em seguimento, o rapaz, por sua vez, contou ao pároco que os boatos já haviam chegado a sua localidade, e curioso com o aconte­cido, veio até o local para confirmar se o que acontecerá era real, ou se era maledicência das pessoas:

— Vim até o local dessa tragédia seu padre — disse comovido o jovem — porque esse acontecimento me abalou o coração, de modo que, eu senti algo estranho quando ouvi falarem dos boatos que cor­riam no meu vilarejo (que fica do outro lado da montanha), sobre o infeliz assunto que se propagou.

Com efeito, o pároco percebendo algo de sinuoso e talvez, por­que não, também, sinistro naquele jovem, indagou-o se o que acon­teceu de alguma forma influenciava-o, dado que, esse parecia muito atencioso com o mal que havia ocorrido:

— Mas o que te trouxe até aqui meu jovem? — interpelou-o o religioso. — A curiosidade? — redarguiu-lhe. — Porque tu sentiste algo estranho quando ouviste aos boatos e se motivou a vir de tão longe até este local para confirmá-lo?

 Porquanto, o jovem respondendo-o, disse-lhe que havia há muito tempo ouvido falarem, que a vida após a morte era uma vida de punição ou de salvação, de maneira que, querendo saber qual o destino que o rapaz que se suicidou tomara, ele se sentiu impelido de ir até o local em que ele morrera, para tentar descobrir por quais caminhos ele seguiria:

— Oras seu padre... — disse-lhe o moço com certo ar de misté­rio. — Fico me perguntando se a vida é um sopro no vazio, ou uma jornada só de ida e sem volta? Por isso, vim até o local da tragédia, para saber se estou certo ou se estou perdido entre a vida e a morte; ou, talvez, entre a luz e as trevas.

Entretanto, o padre do vilarejo tentando desconversar com o jo­vem sobre o assunto um tanto pesado, disse-lhe que o rapaz prova­velmente iria para o inferno — por ele ter se suicidado —, e adver­tiu-o para que ele jamais fizesse algo parecido, uma vez que, a sua alma corria sério perigo, e que ele não teria mais paz de espírito, e seria uma alma penada pelo mundo, buscando redenção até que vi­esse o salvador julgar os vivos e os mortos no juízo final:

— Ó criança! — exclamou o padre. — Vejo ser tu ainda muito jovem para se atormentar com esse tipo de pensamentos embaraço­sos que prejudicam a alma, e a fazem pecar. Tu não deves nunca de fazer algo parecido ao que se passou nesse casebre, e nem sequer em algum momento pensar em fazê-lo, pois, a alma que a esse ato in­fame comete, esta padece em grande pecado contra Deus.

Não obstante, o jovem disse ao pároco para que ele não se preo­cupasse, haja vista ele estar aparentemente bem:

— Não se preocupe comigo seu padre. — disse tentando mudar de assunto. — Ainda que eu não saiba para onde ir, sei que em algum momento encontrarei o meu destino, e quem sabe, se Deus me per­doar, o caminho de volta para o céu.

 Posteriormente ao pronunciado o rapaz sumiu por diante dele — como que a um fantasma. Visto que, esse jovem quem perguntava saber ao pároco sobre a morte do rapaz, era o próprio rapaz que tinha se suicidado. E o padre, então, apavorado com aquele evento sobre-humano, exclamou:

— Bendito sejas Tu, ó Senhor meu Deus de Misericórdia! Ao Se­nhor confio-lhe está pobre alma, que perdida no mundo busca pela salvação através da sua redenção na Santa Igreja. — e fazendo o sinal da cruz, o padre se retirou do local.

Em razão do acontecido, voltando para a sua paróquia, o vigário tratou de dizer uma missa para o rapaz (para que a sua alma fosse libertada do fogo do inferno), e clamou em alta voz a Deus, para que Ele não desse um destino ruim aquele pobre moço, pois, as circuns­tâncias em que ele se encontrava eram muito difíceis, e ele não tendo fé o suficiente na providência divina e na salvação da sua alma, deci­diu por se matar:

— Ó Pai Eterno! A Ti entrego-me de corpo e alma para que o Senhor me purifique para que eu possa dizer esta missa a este pobre rapaz, que perdido se encontra entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Em função disso, orando a alma daquele jovem, eis que lhe apa­rece um anjo como a um forte clarão, e ao padre em oração disse-lhe:

— Por que tu pedes a Deus que intervenha para que o rapaz que se suicidou, não venha a padecer no fogo do inferno?

E o sacerdote presenciando aquela revelação majestosa, ao anjo respondeu-lhe com temor:

— Ó Senhor! — exclamou. — Rezo a Deus para que o proteja de não cair no fogo do inferno! — respondeu justificando a sua ora­ção. — Porque, sendo esse rapaz um pobre diabo que não supor­tando os percalços da vida, veio a se suicidar.

— A vida do pobre rapaz, foi sim uma vida atribulada e cheia de sofrimento. — disse-lhe o anjo. — Ele buscou na morte, o que de­veria ter buscado na luz! E não sendo forte o suficiente de espírito, ao mal sucumbiu, uma vez que, todos os que mais atenção dão a carência e as necessidades — seja de qual natureza elas forem —, estes virão a serem vitimas do que cultivam em seus corações.

Por consequência, o padre pedindo ao anjo por clemência aquela pobre alma, rogou-lhe em prantos, para que ele a perdoasse, porque, ainda que o rapaz tenha feito algo danoso ao seu espírito, esse pela misericórdia de Deus poderia ser absolvido deste infame pecado:

— Ó anjo enviado por Deus! — disse o religioso com os braços abertos erguidos para o alto. — Clamo-te que libertes esta pobre alma que nos deixou de forma indigna do fogo do inferno, e do mal eterno que pode lhe suceder.

— Ó homem! — exclamou o anjo. — Filho tu és do Altíssimo! — afirmou o emissário do Senhor. — Pois, sendo tu um bom sacer­dote, deste consolo a esta pobre alma que não suportando os reveses da vida, veio a se suicidar. Não o julgastes, e nem o condenastes, mas, por outro lado, deste a ele o repouso pela oração e pela peni­tência, que fizestes ao dizer-lhe uma sagrada missa, de maneira a salvaguardar-lhe a alma.

Entrementes, vendo o clérigo aquela aparição majestosa de um anjo por diante dele, ao mensageiro, mais uma vez o pároco clamou:

— Ó Senhor! Sei que não sou um bom homem como Deus assim quer que eu seja. Sendo sacerdote, busco dar a cada um que a mim venha recorrer, o melhor entendimento da palavra que posso lhe passar. E aos que vivem em miséria e estão necessitados, estes pro­curo compartilhar o pouco que possuo e que consigo pelas doações da comunidade a igreja. Não ajudei aquele rapaz que se suicidou, por desconhecer o seu sofrimento, e por ele não ter recorrido à paróquia para pedir auxilio. Peço-te que me perdoe! Porque falhei como servo de Deus.

Conquanto, o anjo vendo a sinceridade com que o sacerdote lhe falava, consolou-o:

— Não te envergonhes por não ter podido ajudar ao rapaz que se suicidou. — aludiu. — Porquanto, tu fazes o teu melhor, ajudando aos necessitados que a ti recorrem e que tu, em tua peregrinação, consegues ajudá-los. Há, porém, os que sendo fraco de espírito, pre­ferem recorrer à morte, a pedirem o auxilio da luz! Pois, sendo estes orgulhosos, preferem a dor e o sofrimento, do que a consolação de um verdadeiro irmão.

— Mas senhor! — refutou o pároco ao anjo. — Mesmo esses que a este tão profano crime cometem, estão carentes também de terem em auxilio quem os ajude. Pois, muitos estão perdidos nas sombras, e sem terem a quem recorrer, preferem apagar a sua luz (sucumbindo ao medo e ao terror que lhes apavoram), do que pe­dindo auxílio aos que lhes podem ajudar.

— Ainda que estejas certo no que falas, não se justifica fazer o que aquele rapaz fez. — disse-lhe o anjo. — Perdido ele estava em trevas, e orgulhoso que era não buscou na luz a quem poderia lhe amparar.

— E o que será desta pobre alma, que agora deves de estar em chamas e sofrimento no fogo do inferno? — questionou-lhe o pá­roco.

— Desta pobre alma, tu não deves de se preocupar! — respon­deu-lhe o anjo. — Pois, estando ela agora sendo preparada para redimir-se de sua culpa, lhe será dada outra chance de a este mundo voltar, e se arrepender do que ela fez de errado.

Todavia, o padre sendo muito católico, não acreditando na reen­carnação, ao anjo perguntou:

— Então o rapaz voltará ao corpo que deixou pelo suicídio? Não haverá choro e ranger de dentes, como ensina as escrituras sagradas?

— O choro e o ranger de dentes já houve! — replicou-lhe o anjo do Senhor. — Pois, não sendo esta alma capaz de lidar com a dor e o desespero que estava passando, recorreu à morte para deste inco­modo se libertar. No entanto, a morte não liberta a ninguém, e sim, ela pune! Já que, toda a alma que encontrou na graça de Deus a re­denção pelos seus pecados, e pelos medos e temores que as assom­bravam, estas não mais em corpo voltarão, mas serão como aos anjos do céu, que brilham na eternidade como a luz das estrelas no firmamento.

Por fim, o anjo assim como o rapaz que apareceu como alma pe­nada, se foi, num piscar de olhos. E o padre caindo de joelhos no chão da paróquia, em choros e tremores falava:

— Perdoa-me Senhor por eu não ter podido salvar aquela pobre alma. Ao Senhor entrego-me em espírito para que faça de mim o instrumento da Sua vontade, e me tornes digno de poder através da Sua misericórdia salvar-me da Sua tribulação, para que eu possa aju­dar a outros tantos que vivem em dores e desespero neste mundo, pela Sua divina graça. Amém!

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